27 de outubro de 2014

Desafios do Brasil: analistas apontam rumos para a segurança no novo governo

A corrida pela sucessão presidencial pontuou temas relevantes no setor de segurança pública no país, que devem representar novos desafios para o presidente eleito pelos brasileiros nas urnas, no domingo (26). Analistas entrevistados pelo Jornal do Brasil apontam as questões que devem ser prioritárias na próxima gestão e os investimentos e ações que, muito provavelmente, assumirão a dianteira no planejamento estratégico do governo federal.
Homicídios contra crianças de 0 a 9 anos a cada 100 mil habitantes: vermelho para homens e amarelo para mulheres. No ranking mundial da violência divulgado pelo Unicef, Brasil é um dos líderes
Em 2010, a candidata eleita pelo Partido dos Trabalhadores, Dilma Rousseff, concentrou as suas propostas para a área de segurança com foco na continuidade do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), criado durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, e nas políticas de aproximação, como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio de Janeiro. O programa de governo do PT destacava na época o enfrentamento ao crime organizado, a implementação de projetos sociais com foco no jovem e apostava nas ações conjuntas com os Estados e municípios, integrando as polícias em um novo modelo de policiamento, assim como investimentos em alta tecnologia, ações mais intensivas da Polícia Federal nas fronteiras para inibir a entrada de drogas e uma radical mudança no sistema penitenciário. 
Especialistas elogiam avanços alcançados nos últimos anos e metas cumpridas pelo governo, mas alertam também para problemas crônicos, como os índices de assassinatos, que representam um desafio a ser solucionado pelo próximo gestor, em caráter emergencial. 
O ex-secretário Nacional de Segurança Pública e professor do Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar, coronel José Vicente da Silva Filho, considera que o primeiro passo do presidente eleito deve ser colocar como prioridade o setor de Segurança Nacional. E justifica a medida a partir dos dados apresentados nas campanhas eleitorais, que segundo ele não são tão alarmantes quanto a realidade. Nas estatísticas apresentadas pelo coronel, no ano de 2012 o país bateu recorde nos índices de assassinatos em relação os últimos 32 anos. O custo com o setor alcançou em 2011 5% do PIB (Produto Interno Bruto) anual, o que representa R$ 207,2 bilhões. A contabilidade nacional é considerada pelo oficial como "algo monumental", tanto financeiramente quanto no sofrimento da população, colocando o país na liderança das nações mais violentas do planeta. 
O número de assaltos compõe mais uma estatística preocupante e que merece total atenção. Silva Filho lembra que em 2012, foram 78 mil pessoas vítimas deste tipo de crime, o que totaliza 6,6% assaltos por ano. Um segundo ponto importante para o governo federal considerar emergencial é a identificação das regiões mais violentas do pais, para que um conjunto de medidas personalizadas sejam colocadas em prática, visando amenizar os índices de violência. O especialista cita Maceió, Fortaleza e Salvador na liderança do ranking, em escala mundial. 
Um caminho indicado pelo analista seria a parceria entre os governos federal e estadual para investimentos em alta tecnologia, especialmente em insumos para modernizar as perícias técnicas e os critérios de investigação, além do patrulhamento ostensivo. Silva Filho citou o exemplo do Centro Integrado de Inteligência no Recife, Cuiabá e Belém como alternativas que renderam bons resultados e podem ser estendidos para os outros estados. Segundo o coronel, o governo pode assim racionalizar os recursos, através de um banco de dados eficiente e um serviço de inteligencia eficiente, o que se reverte em enxugamento e previne desperdícios, que às vezes fica abafado em compras excessivas de viaturas.  
O desenvolvimento e estímulo a programas direcionados aos jovens devem nortear as ações governamentais, na visão do especialista. O coronel ressalta que de 20% a 25% dos crimes cometidos em território nacional são praticados por jovens. Ainda na seara da criminalidade, ele considera que o presidente que assume em janeiro deve promover uma revisão na legislação, com a finalidade de reduzir a impunidade no país. Silva Filho defende a modernização dos instrumentos jurídicos como forma de acelerar os processos relacionados a crimes hediondos, com penas mais rígidas.
Na relação de mudanças necessárias para os próximos anos apresentada pelo analista, o policiamento nas fronteiras é um aspecto relevante. Para o oficial, a atual estratégia nacional de controle não é eficiente, com poucos recursos aplicados para inibir o tráfico internacional, repassando, em alguns casos, a responsabilidade para os estados que ficam na divisa. Silva Filho usa o estado de Mato Grosso como exemplo, que não tem condições de desviar os seus recursos para questão que dizem respeito à federação. "Fronteira é um problema do governo federal, tem que ser tratado com as Força Armadas e financiamento direcionado e não com verba estadual", ressalta o especialista.   
Silva Filho relaciona outro aspecto que ele considera fundamental para a segurança nacional. Para o oficial, as condições do sistema prisional precisam ser revistas com muita urgência. Contabilizando uma média de 500 mil presos e pouco investimento, o militar considera que em um ano, os presídios são responsáveis por um número de assassinato e tortura maior que em 20 anos de governo militar. De acordo com os cálculos do especialista, o governo federal deve investir de R$ 15 a R$ 17 bilhões em novas vagas. Uma saída viável para captar esse valor seria pela iniciativa privada, como acontece na Inglaterra e no Chile, por exemplo.
As demandas ostentadas pelo especialista representam, na sua visão, as mais críticas no setor, atualmente. Para desenvolver as políticas públicas necessárias para aplicá-las com sucesso, Silva Filho aposta em um ministério específico para a área. "É um setor que exige as articulações na medida certa, requer muito investimento. Por isso, precisa de um gerenciamento próprio", esclarece. Para o militar, o Brasil é um país ímpar nos índices de criminalidade, sempre liderando o ranking mundial. Para reverter esse quadro desanimador, ele acredita que o governo federal deveria mudar o seu modelo operacional, buscando como inspiração outros países que alcançaram bons resultados e mudaram as suas realidades.
Silva Filho acredita em um modelo de uma polícia única, pela progressão institucional, assim como atua a força policial em Nova Iorque e na Alemanha. Nesses locais, o contingente é uniforme, concentrando também a investigação. Um dado importante nestes casos é a redução nos custos operacionais e a eficiência nos resultados.
Desburocratização como solução
Esse mesmo modelo é elogiado por outro especialista no assunto, o delegado federal Jones Leal, presidente da Federação dos Policiais Federais (Fenapef). A categoria se colocou contra a Medida Provisória 657/2014, encaminhada recentemente pelo governo, por entender que abre prerrogativas políticas para o cargo de delegado, promovendo-o em uma espécie de "policial-juiz", passando a concentrar maior autoridade e frustrando a perspectiva profissional dos demais cargos na corporação. Leal defende o modelo da meritocracia e a criação de um plano de carreira. "Tem que acabar com esse processo que acontece nas polícias através dos concursos. Qualquer pessoa pode prestar exame e se tornar um delegado civil ou federal e vai comandar equipes com mais de 30 anos de carreira. Isso é um absurdo", considera o delegado federal.   
Para o Leal, o próximo governante deve se pautar a partir de uma comparação entre a segurança nacional com países de primeiro mundo ou se inspirar naqueles que conseguiram, efetivamente, uma resolução eficiente dos crimes. Leal considera que o modelo administrativo brasileiro apoiado no inquérito policial é ultrapassado e já superado nas nações desenvolvidas. "Nesses países não existe a figura do delegado, mas daquele policial que foi capacitado a nível de gestor", destaca. 
"A polícia tem que fazer o seu trabalho e encaminhar os casos para o Judiciário, para que este cumpra a sua atribuição de forma correta, sem a interferência de qualquer pseudo delegado-juiz", acrescenta Leal. Segundo ele, a proposta de expandir a atribuição do delegado para a esfera jurídica terá como resultado o afastamento do crime da sua resolução, além da burocratização do processo criminal. "Será um desafio do futuro presidente fazer essa mudança", diz o delegado.
Leal se baseia nos dados oficiais acerca da violência no Brasil para analisar as medidas emergenciais que devem ser adotadas pelo novo presidente. O delegado compara os índices de esclarecimento dos delitos com o modelo brasileiro, apontado nas estatísticas entre 4% a 8%, com os números de países vizinhos que utilizam outros modelos de administração policial, como o Chile, que tem nível de solução dos crimes entre 80% a 90%. "Lá [no Chile] não existe a figura do delegado. O policial responsável pela ocorrência faz o levantamento das provas e encaminha para o Ministério Público, que dá continuidade a investigação", explica.
A desburocratização é o fator mais relevante no processo de investigação e resolução de um delito, segundo o delegado. "Quando a Polícia Militar é chamada para um local de ocorrência, por exemplo, tem que fazer um boletim, comunicar a Polícia Civil, que por sua vez vai fazer a perícia, e todos vão para a delegacia. Enquanto isso, o criminoso está livre para destruir provas e usar o tempo a seu favor", ressalta Leal. 
"Se quisermos ter uma polícia de primeiro mundo e não sermos comparados com o México, que lidera no mundo os índices de criminalidade, teremos que promover as mudanças necessárias", defende o delegado federal, considerando a tarefa árdua e muito difícil. Para o país comemorar as estatísticas positivas na segurança pública, Leal sugere a formação de uma equipe governamental capacitada, que tenha nos resultados e estudos internacionais um caminhos seguro para mudar a realidade brasileira. "O presidente eleito deve priorizar a formação de uma equipe de estudiosos no setor, especialistas que pensem nos interesses da sociedade, para construir um excelente trabalho para o futuro e prevenir os índices registrados no México". 
Compartilhando do mesmo pensamento apresentado por Silva Filho em relação aos índices de criminalidade no país, o pesquisador no Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), Bruno Paes Manso, acredita que o principal desafio que o presidente eleito deve encontrar será a redução das estatísticas de homicídio nos estados, que atualmente atinge 56 mil casos por ano. Manso avalia que os estados brasileiros já demonstraram a capacidade de reduzir os números da violência em curto prazo, mediante políticas de segurança eficientes. Um sinal de que esta teoria funciona é a variação dos índices de região para região. Atualmente, os números apresentaram queda em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas cresceram no nordeste, mantendo o país no topo da classificação mundial de violência. 
"O novo presidente deve ter como meta a criação das políticas públicas voltadas para a solução desta questão prioritária. Isso é até um dever moral do governo", destacou Manso. Nos últimos 30 anos, na visão do analista, o Brasil não fez o seu dever de casa no setor, assumindo apenas um papel de coadjuvante na busca dos avanços na segurança nacional. Manso ressalta que esta postura tem que mudar, especialmente a prática de transferir para as contas dos estados as responsabilidades federais na área de segurança. "A federação só aparece nos momentos críticos, como salvador da pátria, o ator que manda o helicóptero para fazer os encaminhamentos para presídios federais. Essa postura tem que mudar, o governo tem que assumir o seu papel de protagonista também neste setor", destacou o especialista da USP.
O professor da Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rodrigo Ghiringhelli Azevedo, conceitua que a redução da taxa de homicídio nos estados é fundamental para melhorar a imagem do país no exterior e uma política nesta linha deve ser implementada pela nova gestão. Assim como o governo do PT conseguiu retirar a nação brasileira do mapa da fome, o mesmo deve acontecer com os indicadores da violência, segundo a opinião do analista.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Twitter - Você é o Repórter