29 de janeiro de 2015

Fartura de água de minas e bicas de BH contrapõe crise hídrica no estado

Os frequentadores das bicas e minas urbanas de Belo Horizonte vivem uma realidade distante da maioria da população, que precisa fechar as torneiras e pensar a respeito de cada milímetro de água que utiliza. A água das bicas e minas que restaram na metrópole urbanizada jorra sem parcimônia e é usada para matar a sede, lavar carros, roupas e embelezar o Parque Municipal. A reportagem do Estado de Minas seguiu o roteiro indicado no primeiro capítulo do livro Guia Morador Belo Horizonte e traz um pequeno perfil das nascentes que ainda não foram escondidas pelo progresso.

Algumas são prosaicas, como a mina que fica dentro da casa de Romero Pedro Silva, na Rua Dona Geni, no Bairro Vila Santa Branca, na Região de Venda Nova. Quando ele começou a construir a casa, em 1993, tentou drenar a mina e fez a edificação com uma laje elevada. Não deu certo. A força da água foi maior e encharcou a garagem. A solução foi construir um reservatório, usar uma bomba para enviar a água para a tubulação e instalar o ladrão para dispensar o excesso na rede fluvial. “Quando acaba a água no bairro todo mundo vem aqui pedir um pouco”, conta Romero, que diz nunca ter negado um pedido.

Análises da qualidade da água já foram feitas e, diante do resultado positivo, considerando a água pronta para o consumo, Romero dispensou o serviço da Copasa. Ele paga apenas uma taxa para usar a rede de esgoto. Além da casa, a água abastece também o bar de Romero, uma construção contígua à moradia. “Os clientes tradicionais nunca compraram uma garrafinha de água. Sabem que a da torneira é boa para o consumo. Quem compra água é só quem não conhece”, avisa Romero.

Fotos: Beto Magalhãees/EM/D.A Press
Romero Silva tem uma mina dentro de casa, em Venda Nova: em seu bar, clientes mais antigos só tomam água da torneira

No outro extremo da cidade, na Praça Marília de Dirceu, em Lourdes, Região Centro-Sul, a água limpa vaza em um bueiro próximo à esquina da Rua Curitiba. Diante da escassez e dos constantes alertas para economizar água, o presidente da Associação da Praça Marília de Dirceu e Adjacências (Amalou), Jeferson Rios, garante já ter feito um orçamento para instalar uma caixa d’água na praça e usar a fonte para irrigar as plantas. “Aqueles prédios quase todos foram construídos em cima de uma mina de água. Já avisamos a Copasa, que informou não tem planos para aproveitá-la e procuramos a prefeitura para pedir a permissão para instalar a caixa d’água”, diz. A água, segundo Rios, não é apropriada para o consumo, mas pode ser usada na irrigação.

Maria da Penha, que é proprietária da banca de jornal na praça há 29 anos, explica que o local – um dos pontos com o m² mais valorizado da capital – era um brejo. Por ali, nos primórdios de BH, no século 19 e nos primeiros anos do século 20, corria o Córrego do Leitão, hoje quase todo escondido pelo asfalto. Aliás, córregos e rios eram comuns na capital mineira. Os moradores mais antigos de BH recordam que os dois sentidos da Avenida Pedro II eram separados pelo Córrego do Passadinho e que por trechos da Rua Professor Moraes e da Avenida Afonso Pena passava o Acaba Mundo, assim como a Silviano Brandão passou por cima do Córrego Mata.

Na Região Leste, próximo ao escondido Córrego Mata, está a bica mais famosa da cidade: a Bica da Petrolina, na esquina da Avenida Petrolina com Rua Abílio Machado, no Bairro Sagrada Família. A qualquer hora do dia e da noite, há uma fila formada. Os usuários carregam galões e galões. É o caso de Zoltan Sas, morador do Bairro Santo Antônio, na Região Centro-Sul. “Buscava água no chafariz do Kaquende, em Sabará, mas agora só venho aqui”, detalha o aposentado.

Além de gostar da água, Sas destaca que é vegetariano e que sente gosto de peixe na água da Copasa e, por isso, prefere pegar direto na fonte. Já a esteticista Sônia Santos, que aguardava na fila para encher seus galões, atesta que o gosto é ótimo e que não tem sabor de cloro. “Faço tudo com essa água. Sofria de uma gastrite tremenda e depois que passei a pegar água aqui melhorei”. O mais experiente na bica, o autônomo Lincoln Toledo, pega água ali há 40 anos e aponta mais uma qualidade. “De vez em quando alguém bebe muito de madrugada e passa aqui para tomar água. Alguns até dormem no passeio, mas quando acordam estão sem ressaca”, brinca Lincoln.

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