23 de fevereiro de 2015

Quando os trotes viram crimes



O sentimento dos estudantes que estreiam nestes dias no ensino superior fica dividido: de um lado, a alegria pela nova etapa, depois da vitória no Enem ou vestibular; do outro, o medo dos trotes, que em muitas faculdades chegam aos mais extremos níveis de crueldade e desrespeito. Já passou da hora de os órgãos competentes deixarem de tratar desses casos como meras brincadeiras e aplicarem as devidas penas da lei.

Em si, o trote deveria ser um rito de passagem inofensivo, marcando a mudança de status do jovem na comunidade: os veteranos, que têm o “poder”, recebem os calouros, fazendo-os passar por tarefas que valem como “rito de iniciação”.

Essa prática existe há vários séculos, nos mais diversos países, com diferentes características. No século XIV, na Universidade de Paris, os trotes envolviam humilhações como jogar fezes e lixo nos calouros. É de se supor, no entanto, que com o passar do tempo as brincadeiras fossem se tornando mais humanas e ficassem dentro dos limites do respeito pelo outro.

Por exemplo, na Suécia, o trote consiste numa competição em que os novatos competem entre si e vão tirando as próprias roupas; na Espanha, envolve “prendas” para os calouros, como fazer serenatas para as meninas (podendo chegar a um strip-tease) ou fazê-los passear em vias públicas vestidos de mulher.

Diversos países já enfrentaram casos de violência grave. Na França, por exemplo, em certas ocasiões as práticas eram brutais, culminando com a morte de um estudante em 1998. Desde então, passou a vigorar uma lei que criminaliza o trote violento e pode levar os autores à prisão e ao pagamento de altas multas.

No Brasil, a cada semestre vemos episódios de barbárie, de estudantes queimados por ácido, obrigados a engolir substâncias tóxicas ou repulsivas, feridos gravemente e até mesmo correndo risco de morte.

Um dos aspectos abjetos das práticas que tomam essa feição é a humilhação especialmente sádica sobre as mulheres e os estudantes negros. Moças obrigadas a praticar ou simular práticas sexuais, num abuso sórdido da condição feminina, ou negros fantasiados de escravos, amarrados a postes e açoitados, são exemplos de algumas das situações mais revoltantes.

É um momento para as famílias dos jovens ficarem mais atentas. Há que processar quem comete violência e defender as vítimas. Não permitir que os próprios filhos participem de agressões. Com frequência, a maioria é apenas conivente, segue a massa. Quanto aos idealizadores das agressões, deveriam ser punidos ou tratados.

Cabe também às universidades tomar posição, mesmo quando as atividades ocorrem fora das suas instalações. Afetar a integridade moral ou física de outrem é crime previsto no Código Penal. É dever das faculdades e das autoridades judiciárias cuidar dessas mentes doentes fantasiadas de estudantes.

Diversas faculdades do nosso país já conseguiram mudar essas práticas, implementando a ideia de “trotes solidários”, que incluem atividades como doar sangue, arrecadar e doar alimentos, visitar asilos ou orfanatos. Algo bem mais construtivo para a formação profissional, cidadã e humana.

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